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Algumas definições

O projeto “Para além da superfície: Conservação de metais das coleções de etnologia africana do MAE/USP” realizou ações de conservação preventiva e curativa em 641 objetos metálicos de etnologia africana.

 

Objetos metálicos constituem parte do patrimônio cultural salvaguardado pelo MAE/USP. Ações de conservação preventiva fazem parte da estratégia de conservação adotada por esta instituição museológica. Atuar de forma indireta nos objetos, antes que o dano possa surgir, é o caminho mais viável para a garantia de uma maior preservação do patrimônio cultural. O controle de condições ambientais e ações para minimizar riscos físicos são alguns exemplos da atuação da conservação preventiva que é realizada com frequência no MAE/USP.

 

Entretanto, algumas vezes o dano já está presente no objeto, sendo necessárias ações de conservação curativa que visam interromper processos de deterioração e estabilizar danos já existentes. A conservação curativa entra em cena quando os objetos estão em condição frágil ou em processo contínuo de deterioração. Processos de dessalinização de cerâmicas, consolidação de pinturas murais, desinfestação de materiais orgânicos ou estabilização de metais corroídos são alguns exemplos de ações de conservação curativa.

 

Medidas de conservação também podem servir a mais de um objetivo. Quando se intervém em um objeto a fim de se facilitar sua apreciação estética, entendimento e uso (além do objetivo de estabilização de danos) estas ações podem ser consideradas como restauração. Retoques em uma pintura, remontagem de fragmentos cerâmicos e preenchimento de lacunas podem ser citados como medidas frequentes na restauração.

Por vezes, há uma linha tênue e controversa entre ações de conservação e restauro. A aplicação de revestimentos protetores pode ser tanto uma restauração quanto conservação preventiva.  

 

Por este motivo, a conservação de bens culturais é uma ação bastante complexa que exige a consideração de fatores de ordem históricos, artísticos, estéticos, além da própria compreensão da biografia do objeto: do que ele é feito, como foi elaborado, para quê foi feito, se foi utilizado ou não e, não menos importante, por quê ele se deteriorou.

 

Este conjunto de fatores oferecem aos conservadores subsídios para que estes profissionais possam justificar suas ações, definindo assim prioridades e tratamentos específicos de acordo com o grau de deterioração de cada objeto.

 

No decorrer deste projeto, todas as ações foram discutidas pela equipe técnica envolvida com participação da equipe institucional. Decisões mais críticas foram amplamente investigadas (tanto do ponto de vista histórico, quanto científico), assim como também tiveram participação e respaldo institucional.

 

Com relação ao processo decisório do tratamento de objetos mais complexos, também replicamos a experiência institucional que o MAE/USP realiza junto a alguns grupos indígenas brasileiros: consulta às partes interessadas (stakeholders). Conversas com artistas contemporâneos do Benin, que preservam o conhecimento da manufatura de objetos metálicos há décadas foram feitas para se compreender o processo de feitura destes objetos, seus significados, assim como também consultá-los sobre o processo decisório do tratamento escolhido.

 

Por este motivo, destacamos que os trabalhos de conservação realizados no âmbito deste projeto envolveram não apenas um intenso labor, mas também pesquisas bibliográficas, análises científicas e intensas conversas. Não foi aplicado um tratamento padrão aos 641 objetos. Cada um deles possui uma biografia específica, assim como apresentavam graus de deterioração diferentes. Cada objeto inspirou discussões e muita reflexão. É este o processo da conservação: por isso, deve-se ir além da superfície!

 

 

Alguns procedimentos adotados

Os objetos envolvidos neste projeto tinham como fundamento comum serem compostos de metais. Alguns possuíam elementos compósitos como madeira, couro, plásticos e exigiram reflexões e estratégias específicas.

 

Um objeto composto apenas por metal também não deixa de incitar problemáticas. Uma vez que, um objeto “de cobre” ou um objeto “de prata”, não é composto apenas por este metal puro e, sim, por uma liga metálica que traz outros componentes. As ligas metálicas foram desenvolvidas com diferentes finalidades: estéticas, estruturais, mecânicas etc.

 

Pelo processo de manufatura de objetos metálicos, as ligas podem apresentar estruturas heterogêneas e alterações podem provocar problemas de deterioração.

Neste projeto, cerca de 70% das peças metálicas estavam em boas condições de conservação. Para estes objetos, realizamos ações de remoção de sujidade superficial com pincéis de diferentes tamanhos e formatos. Sujidades mais persistentes (que não estavam relacionadas à trajetória de uso do objeto e sim à sua biografia museológica), foram removidas com uso de swabs com álcool etílico e, outros casos específicos, lavagens com detergente neutro não-iônico. Importante destacar que todos os métodos úmidos aplicados de limpeza passaram por etapas intensivas de enxágue com água destilada e secagem, para a garantia da remoção do produto aplicado, assim como para a remoção da umidade dos objetos.

 

 

 

 

 

 

 

Grande parte dos objetos compostos por liga de prata e cobre apresentavam uma pátina escurecida natural, resultado da sua interação com o seu entorno, onde poluentes e níveis inadequados de umidade podem ter colaborado neste processo. Entendemos que esta pátina é uma película protetora que, embora possa causar interferência na fruição visual do objeto, deve ser mantida enquanto história do próprio objeto. E deste modo, operamos.

 

Alguns objetos exigiram outras ações pois participariam de uma exposição em 2019 (1). Joias  da Nigéria, Gana e Benin foram limpas de modo a melhorar sua apreciação visual. Estas peças passaram por procedimento de limpeza químico-mecânicos leves com auxílio de bisturis e carbonato de cálcio aplicados por meio de swabs misturados em álcool etílico. Este foi um processo lento no qual abrasões foram aplicadas de modo controlado e a limpeza se deu em pontos específicos, com bom controle e precisão.

 

 

 

 

 

 

 

Os demais objetos da coleção passaram por procedimentos de estabilização de danos, visto que apresentavam pontos de corrosão instáveis. Como diagnóstico, estes objetos apresentavam como características gerais matérias mais fragilizadas, falhas no processo de manufatura e danos físicos.

 

A interação destes metais com a trajetória de sua vida (de uso e também museológica) contribuíram para o desencadeamento de processos de deterioração. Os metais tendem a retornar ao seu estado original de mineral (óxidos, carbonatos, cloretos, sulfetos) e a partir do momento em que o mineral é transformado através de diversas operações metalúrgicas, o objeto começa a sofrer os efeitos da degradação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alguns objetos apresentavam perda de matéria e fragilidade. Outros, apresentaram ao longo dos últimos anos, alterações nos produtos de corrosão, tais como uma camada mais pulverolenta e esbranquiçada. Tendo em conta que estes objetos são formados por ligas metálicas, alguns deles apresentavam corrosões seletivas preferenciais nas áreas ricas com elementos menos nobres (ex: ligas Ag-Cu, Cu-Zn).

 

 

 

 

 

 

 

Estes casos também foram tratados tendo como foco a estabilização dos danos, levando em consideração o grau de fragilidade do material, a presença de matérias compósitos e a necessidade do aprimoramento da leitura do objeto.

 

Limpezas químico-mecânicas foram aplicadas nesta fase, em métodos diferenciados. Aplicação de swabs, compressas e géis foram algumas das práticas executadas. Tratamentos por imersão também foram realizados com produtos preparados a concentrações muito baixas e tempo de imersão reduzido. Após todas as ações de limpeza, os objetos eram exaustivamente enxaguados com água destilada e secados. Para alguns casos, estabilizações, neutralizações e consolidações encerraram as etapas de tratamento.

 

Para complementar o processo de tomada de decisões, análises qualitativas para identificação dos componentes das ligas metálicas foram realizadas. Análises arqueométricas são métodos científicos analíticos que são aplicados ao patrimônio cultural. Estas análises conseguem prover informações sobre materiais, técnicas de manufatura e são de grande relevância para a preservação dos objetos.

 

Os estudos arqueométricos com acervo africano no MAE foram iniciados nos anos 2000 (2). 
Por seu pioneirismo e importância, estudos arqueométricos com relação aos bens culturais continuaram a ser desenvolvidos e são vitais para a conservação dos objetos.


No âmbito deste projeto, Fluorescência de Raios-X (FRX), Espectroscopia Raman, Espectroscopia de Infravermelho (FTIR) e Difração de Raios-X (XRD) foram alguns dos métodos de análises escolhidos para auxiliar a caracterização dos objetos. 

 

 

 

Deste modo, todas as intervenções foram realizadas e justificadas. Atualmente, peças que estavam recolhidas à Reserva Técnica desde o final dos anos 80 por seu crítico estado de conservação, tornaram-se aptas à serem manipuladas, exibidas, emprestadas e estudadas novamente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(1) Exposição “21º Bienal de Arte Contemporânea Sesc Videobrasil / Comunidades Imaginadas” - SESC 24 de Maio. De 09 de outubro de 2019 a 02 de fevereiro de 2020. São Paulo.

(2) Artigo: APPOLONI, C.R. et al. "Caracterização de produtos de corrosão em estatuetas metálicas por métodos de raios-x".

Disponível em: http://www.uel.br/grupos/gfna/app1forum.pdf

Acessado em 05 de novembro de 2019.

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Exemplos de limpezas com pincéis e uso de detergentes neutros não-iônicos

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Imagem ampliada de produtos de corrosão 

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Exemplo de corrosão seletiva de liga de Cu-Zn: A superfície metálica é enriquecida em Zn, conforme demonstra espectro da análise XRF.

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Exemplo de limpezas por meio de swabs.

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Coletas para identificação de fungos, FTIR e XRF

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Pulseira - Nigéria 77/d.4.28ab - antes (esquerda) e depois de limpeza (direita)

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Bastão ritual ogboni (76/2.18) - antes e depois do tratamento de conservação

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